Os Xikrin são um dos grupos indígenas da família linguística Jê e são conhecidos por sua cultura rica e suas tradições ancestrais que atravessam gerações. Esse povo indígena habita o estado do Pará, em regiões banhadas pelos rios Itacaiúnas, Cateté e Bacajá, onde desenvolvem sua vida em equilíbrio com a natureza e as práticas culturais que lhes são tão caras. Além disso, os Xikrin fazem parte da grande nação Kayapó e compartilham uma história marcada pela resistência e pelo profundo respeito à sua cosmologia e forma de vida.
O Valor da Palavra e da Audição para os Xikrin
Para os Xikrin, assim como para os demais Kayapó, a audição e a palavra são dois pilares fundamentais de sua cultura. Desde pequenos, os membros dessa etnia têm suas orelhas e lábios perfurados, como uma forma de simbolizar a importância de ouvir e falar. Ouvir é o caminho para adquirir conhecimento, enquanto falar, especialmente de forma eloquente, é uma habilidade social extremamente valorizada, uma prática que diferencia os Xikrin e os Kayapó de outros grupos. Eles se orgulham de serem conhecidos como aqueles que "falam bem e bonito", o que é um traço importante de sua identidade.
Os discursos, especialmente proferidos pelos homens, são um espetáculo de oratória e acontecem no centro da aldeia, reforçando o papel da fala como uma forma de liderança e sabedoria.
O Nome e a Identidade Xikrin
Autodenominados Mebengokré, que significa "gente do buraco d'água" ou "gente da água grande", os Xikrin se referem às suas origens e à relação próxima que sempre tiveram com os rios Araguaia e Tocantins. A história oral desse povo remete à separação dos diversos grupos Jê, um processo que teria ocorrido na área entre esses dois grandes rios, quando começaram a falar diferentes línguas.
Curiosamente, o nome "Xikrin" foi atribuído por outro grupo Kayapó, os Irã-ã-mray-re, já extintos. Entre si, eles costumavam se denominar Put Karôt, e até hoje os Xikrin da região do Bacajá se reconhecem como Put Karôt, mas não chamam a si mesmos de Xikrin.
Onde Vivem os Xikrin
Os Xikrin vivem em duas principais terras indígenas: Cateté e Trincheira Bacajá, ambas no estado do Pará. A área do Cateté, situada nas margens dos rios Itacaiúnas e Cateté, é rica em mogno, castanheiras e outras espécies de árvores, além de ser um ambiente ideal para a caça e a pesca. Ali, as aldeias são construídas em terreno seco e bem drenado, próximas de rios e igarapés, com as casas dispostas em círculo ao redor de uma praça central, que é o coração da vida social e política da comunidade. No centro dessa praça está a Casa dos Homens, um espaço exclusivamente masculino dedicado a reuniões, discussões e rituais.
Já os Xikrin do Bacajá vivem em uma região de mata densa, às margens do rio Bacajá, afluente do rio Xingu. Apesar de compartilharem muitas tradições com os Xikrin do Cateté, esse grupo estabeleceu suas aldeias de forma independente, marcando uma separação territorial entre os dois subgrupos.
A Cosmologia Xikrin
Os Xikrin têm uma visão do mundo muito particular, onde o centro do universo é representado pelo pátio de sua aldeia. Esse espaço, onde acontecem rituais e a vida pública, é o local onde os índios recriam a energia necessária para a continuidade da vida e do meio ambiente. A aldeia é vista como um microcosmo do universo: o centro da praça é o ponto de equilíbrio, enquanto a floresta que a circunda é um espaço cheio de mistérios e perigos, habitado por inimigos e animais.
O mundo Xikrin é dividido em diferentes domínios naturais: a terra (clareira e floresta), o céu, o mundo aquático e o subterrâneo. Cada um desses espaços possui atributos e seres específicos, que se relacionam entre si de maneiras complexas. Por exemplo, a floresta é um espaço competitivo, onde habitam inimigos e animais, mas também é o lugar de onde os Xikrin extraem conhecimentos valiosos, como o fogo e a linguagem cerimonial. Já o mundo aquático é um espaço de solidariedade, onde os xamãs aprendem a cura de doenças através da interação com o dono-controlador desse domínio.
A Importância do Xamanismo
Na sociedade Xikrin, o xamã é uma figura central. Ele é o intermediário entre os homens e os domínios naturais e sobrenaturais, tendo a capacidade de "ver" o que é invisível para os outros. Segundo a tradição Xikrin, um xamã adquire seus poderes quando atravessa uma grande teia de aranha e é iniciado pelo gavião-real, um pássaro que habita o mundo celeste. Essa iniciação permite ao xamã transitar entre o mundo dos homens e o mundo da natureza, negociando boas caçadas e pescarias e garantindo a saúde da comunidade.
O papel do xamã é fundamental, pois ele não apenas cura as doenças físicas, mas também resgata as almas perdidas e mantém o equilíbrio entre os diferentes domínios do cosmos.
Rituais e Cerimônias
A vida cerimonial é uma parte vital da cultura Xikrin. Com uma organização social estruturada em grupos de idade, os rituais são momentos de grande importância para reafirmar a identidade e as relações sociais. Durante as cerimônias, os Xikrin recriam os laços entre parentes e amigos, celebrando com danças, cantos e comidas preparadas com antecedência. Entre os rituais mais importantes estão os de nominação masculina e feminina, que marcam as diferentes fases da vida de uma pessoa.
Os homens e mulheres têm suas próprias festas e rituais, e os jovens passam por uma série de provas para se tornarem adultos, como escarificações e duelos com espadas de madeira. Cada ritual está ligado a um domínio específico do cosmos, reforçando a conexão dos Xikrin com o universo ao seu redor.
Sustentabilidade e Uso dos Recursos Naturais
Os Xikrin têm um vasto conhecimento sobre a fauna e flora de sua região, o que lhes permite usar os recursos naturais de forma sustentável. Eles caçam, pescam e cultivam alimentos em pequenas roças, garantindo a diversidade de sua dieta e o equilíbrio com o meio ambiente. No entanto, com a crescente exploração de madeira e garimpo em suas terras, a sustentabilidade tem sido um desafio. As invasões de suas terras por madeireiros e garimpeiros ilegais afetam a floresta e os rios, ameaçando não apenas o meio ambiente, mas também a própria cultura Xikrin.
Apesar dessas dificuldades, os Xikrin têm lutado para proteger seu território e seus recursos. A criação da Associação Bep-Nói, em 1995, é um exemplo de como esse povo tem se organizado para defender seus direitos e buscar alternativas sustentáveis para a exploração de seus recursos, como o manejo florestal e a coleta de castanha-do-pará.
Os Xikrin são um povo com uma rica herança cultural, profundamente conectada à terra e à natureza. Mesmo diante de desafios impostos pelo contato com a sociedade não indígena, eles mantêm suas tradições vivas e continuam a lutar pela preservação de suas terras e de sua cultura. Com uma visão cosmológica única e uma estrutura social baseada em fortes laços de parentesco, os Xikrin mostram que é possível viver em harmonia com o meio ambiente, ao mesmo tempo em que defendem seu direito de existir como um povo autônomo e respeitado.
Gostou do conteúdo? Quer saber mais sobre a cultura desse povo?
Se você se interessa pela cultura e a causa indígena, confira o nosso site. Lá você encontrará uma diversidade de produtos como cerâmicas, cestaria, acessórios, além de conhecer o universo desses povos e mergulhar na história da nossa ancestralidade.